Geração N: Pesquisa mapeia anseios e vulnerabilidades de jovens sem ocupação formal

No primeiro semestre de 2019, o Instituto Oca divulgou uma pesquisa feita no ano anterior que mapeia a chamada geração N na cidade de Fortaleza – jovens que nem estudam, nem trabalham, nem procuram emprego (nem-nem-nem). Intitulada “Eles dizem não ao não – Um estudo sobre a geração N”, a publicação é uma parceria com o Laboratório das Artes e das Juventudes (LAJUS) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Instituto Dragão do Mar.

Fazem parte da geração N jovens nascidos entre 1990 e 2002, oriundos de famílias de baixa renda, residentes na periferia de grandes e médias cidades e que não estudam nem trabalham e, em certos casos, já desistiram até de procurar empregos. A pesquisa aborda questões que perpassam o cotidiano dos jovens moradores da periferia urbana: riscos, insegurança, precariedade material e ausência de percepções sobre o futuro.

Os pesquisadores partem da definição de geração N no recorte das entrevistas, mas os resultados do estudo questionam essa conceitualização por considerarem “pejorativa”. Segundo a coordenadora de campo da pesquisa, Lara Denise Silva, fica a impressão de que a juventude está completamente parada. “Mas a gente viu que não é bem assim. São jovens que estão tentando fazer os seus ‘corres’ (empregos informais e bicos para gerar renda). As meninas estão muito no trabalho doméstico, que é um trabalho invisível”, explica a socióloga.

O trabalho concentrou-se no Grande Bom Jardim, em Fortaleza, e traz dados que se contrapõem a uma perspectiva de culpabilizar essas juventudes pelas vulnerabilidades nas quais estão inseridas. Aqui, N é principalmente o “não” dos jovens à precariedade material e à escassez de oportunidades reais que deem sentido à vida.

“O que eles estão fazendo? Como estão construindo a vida deles? Que habilidades eles têm? Como eles entendem o que é o trabalho?”, essas são algumas das questões levantadas pela coordenadora da pesquisa e socióloga Glória Diógenes, do LAJUS/UFC. “Na verdade, eles são jovens sem-sem-sem”, complementa Lara. 

Para Glória Diógenes, o trabalho sobre a geração N, por aprofundar a discussão sobre a realidade de parte da juventude que vive na periferia, pode ser subsídio para a formulação de políticas públicas com maior grau de especificidade e menos generalistas.

“Temos que mapear o que se tem e trazer para as políticas públicas para que essa via não seja vertical e hierarquizada. Isso seria até uma economia de recursos, porque haveria um suporte de financiamento, um apoio para o que já é feito em vez de propor algo que não está dentro do universo juvenil. Essa pesquisa mostra que muita coisa está sendo feita, muita coisa existe”, detalha Glória Diógenes.

A socióloga Lara Denise Silva defende ser preciso repensar o que chama de “cardápio da profissionalização”. “Muitas vezes, os cursos que chegam não são do interesse e realidade daqueles jovens, são as políticas públicas de cima para baixo, sem tentar compreender quais são de fato os anseios e sonhos dos jovens daquele território”, justifica.

Essa generalização no desenho das políticas também mascara as desigualdades de gênero que perpassam os jovens dessa geração. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016, 19% dos homens não estudavam nem estavam ocupados. Entre as mulheres, o percentual chega a 32,7%.

A pesquisa identifica duas situações que atravessam com frequência trajetórias das meninas adolescentes, levando-as para o ambiente doméstico e distanciando de oportunidades de desenvolvimento pessoal: a responsabilidade por cuidar de familiares e a gravidez precoce. 

“A pesquisa sobre a geração N revela um mapa eloquente que mostra essa diversidade, e qualquer política pública que se volte para ele, para essa pesquisa terá os atalhos, rastros e caminhos para que se possa atingir essas meninas que muitas vezes tiveram que abrir mão de suas próprias vidas”, conclui a pesquisadora Glória Diógenes.

O Grande Bom Jardim carrega o estigma da violência nas estatísticas, mas apresenta uma expressiva pulsão de atividades artísticas, culturais e sociais, por meio do trabalho de ONGs, movimentos sociais e iniciativas individuais. Por isso, a escolha dos pesquisadores pelo local. “Há muitos jovens na região, é um local muito potente”, define Lara Denise.

Dividido em quatro partes, o relatório detalha a metodologia da pesquisa, narra histórias de vida, destrincha a análise de dados e conclui com recomendações de políticas para o poder público.

“Qualquer política voltada para essas juventudes, principalmente no campo das profissionalizações, mesmo tendo como premissa a universalização das ações (tendo por base direitos), deve priorizar a compreensão dos contextos concretos, de como os jovens se movem e se situam em seus territórios, quais seus ritos de linguagem e o que pode produzir sentido e adesão às ações propostas”, diz a publicação. 

Clique aqui para ver a entrevista completa com a socióloga Glória Diógenes.

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