Relatório orienta profissionais da rede municipal na prevenção de homicídios

Em parceria com a Open Society Foundation e outros colaboradores, o Instituto OCA publicou, em 2019, o relatório “Cuidando em rede: saberes e práticas na atenção às famílias de vítimas de homicídios”, voltado a profissionais das redes municipais de Assistência Social e Saúde com foco em prevenir assassinatos de jovens na cidade de Fortaleza.

A publicação é organizada em três partes: a primeira traz conceitos importantes para a compreensão do fenômeno da violência; a segunda oferece breve panorama sobre a realidade institucional de alguns equipamentos dessas políticas públicas; e a terceira apresenta exemplos de como as políticas de Assistência Social e Saúde podem agir na atenção às famílias que perderam jovens de forma violenta, como é a experiência da Rede Acolhe, programa da Defensoria Pública do Ceará.

Para a realização do trabalho, pesquisadores foram a campo conhecer os equipamentos e entrevistar os profissionais que atuam nas redes de Saúde e Assistência. Em Fortaleza há 26 Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) e seis Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), inferior ao que a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS) recomenda para um município de grande porte ou metrópole: seriam necessários cerca de 98 CRAS e 12 CREAS.

No âmbito da Política Municipal de Saúde, o mapeamento foi feito com uma parcela das Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS) e Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS). Foram visitados 63 dos 113 UAPS e os 15 CAPS (de atendimento geral, álcool e drogas/AD e infantil), e entrevistados 175 profissionais (coordenadores, agentes comunitários, técnicos do Núcleo de Apoio à Saúde da Família e profissionais dos CAPS).

O relatório da pesquisa Cuidando em Rede enfatiza a importância do “exercício coletivo para prevenir a violência”, considerando a dinâmica e complexidade do problema.

“No caso da violência, a política é vítima dessa prática de sobrecarga das ações, especialmente porque, como a prevenção é falha, as ações de repressão e controle da violência, que cabem à Polícia, terminam sendo praticamente a única ação policial no Brasil. Isso faz com que as instâncias policiais, seja a militar ou a civil, por terem formações técnicas e desumanizadas, usem a forma como o aparato de ação”, ressalta a socióloga Camila Holanda, que integrou a produção do relatório.

O material distribuído aos profissionais das redes municipais visam a complexificar e ampliar o debate sobre a violência letal e contribuir com a prevenção de homicídios em Fortaleza.

No relatório, a prevenção é categorizada em três níveis: primária (voltada ao público geral), secundária (grupos com alto risco de sofrer homicídios) e terciária (dirigida a pessoas e grupos que já sofreram violência). Esta última dialoga diretamente com demandas que passam pelas redes municipais, como eventuais agressões a adolescentes que chegam ao sistema de saúde (se notificadas como ameaça de morte, podem prevenir um homicídio).

Na avaliação da socióloga Camila Holanda, que também é professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE), a alternativa é aprimorar a execução das políticas públicas em vez de criar novas iniciativas do zero.

“O Brasil possui um excelente cardápio de políticas e sistemas de políticas públicas com seus estatutos, planos, resoluções e conselhos. O problema é que as políticas sociais não são priorizadas em relação às políticas econômicas, especialmente no quesito orçamento. Então isso é uma opção de governos. Sem orçamento suficiente, o que temos é a criatividade dos gestores das políticas e a articulação para evitar a sobrecarga”, detalha.

Em 2016 foi criado no Estado o Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), iniciativa colegiada da Assembleia Legislativa do Ceará, Governo do Estado, Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA) e Fórum Permanente de ONGs de Defesa de Direitos de Crianças e Adolescentes do Ceará (Fórum DCA Ceará).

A partir de pesquisa coordenada pelo Instituto Oca e UNICEF, que em 2016 identificou os adolescentes assassinados em sete municípios cearenses no ano anterior, o Comitê elaborou 12 recomendações para prevenir homicídios de adolescentes de 10 a 19 anos no Estado. As medidas são direcionadas ao poder público em suas três esferas (municipal, estadual e federal), a empresas e organizações da sociedade civil.

Conforme a publicação, pelo menos 10 das 12 ações podem ser direta ou indiretamente executadas pelos municípios.

A professora Camila Holanda, que também participou como consultora da pesquisa do CCPHA em 2016, acredita que, mesmo com as limitações técnicas e humanas nas redes municipais, é possível construir um protocolo intersetorial para prevenir homicídios. Para isso, devem existir articulação de ações; reinvenção das instituições, como a escola e a unidade básica de saúde (UBS); formações permanentes e interdisciplinares; participação da comunidade em ações de prevenção à violência e formulação de políticas públicas em seus diferentes ambientes (como faz o CCPHA); e criatividade nas ações cotidianas dos profissionais das unidades de atendimento.

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